terça-feira, 6 de março de 2012

Vivendo, ir perdendo a vida...

Há pouco, falei com mamãe ao telefone. Ela reclamou que eu sabia do que estava acontecendo e que eu, junto com meu irmão havíamos jogado ela naquele lugar e não disse nada a ela. Detalhe: ela estava na casa dela. Depois, ela me disse que só queria morrer, pois essa não era a vida dela. Concordo com ela. Realmente, não acho que ela merecia passar pelo que tem passado. Uma pessoa como ela, que foi dona da vida dela todo tempo. Acho que a vida tem sacaneado com ela. Eu, sinceramente, não quero ficar velho com esse maldito alzheimer. É melhor morrer antes dessa coisa me pegar sim. Quando ela me falou que queria a vida dela de volta, ou então era melhor morrer, eu desabei. E concordei com ela em silêncio. E desabei ao desligar o telefone. Lembrei do amigo Byron Sarinho, que deu cabo de sua vida quando completou 60 anos. Ele não queria envelhecer. Os teístas vão me condenar (e podem fazê-lo à vontade, pois não me comovem!) Não acredito em deuses nem gregos, nem nórdicos, e pior ainda os cristãos. Ninguém vai conseguir me convencer de sua justiça, mesmo porque tenho certeza de que minha mãe não fez tanto mal à humanidade pra merecer tamanho castigo de, vivendo, ir perdendo sua vida...

segunda-feira, 5 de março de 2012

Sábado e domigo, 3 e 4 de março de 2012

Mamãe passou o sábado e o domingo aqui em casa.
No domingo pela manhã, assistimos a dois filmes em desenho animado: "Alice no país das Maravilhas" e "Aristogatas". À tarde, minha irmã Kath veio vê-la, com Augustinho e Helder. Eu e Augustinho a levamos à sorveteria. Ela parecia uma criança, abriu um sorrisão de orelha a orelha quando lhe entreguei o seu casquinho com duas bolas de sorvete. Depois, fomos à padaria, onde compramos pão e munguzá, pois ela queria comer pão doce e munguzá. Viemos pra casa e, de repente, enquanto eu fui ao banheiro urinar, ao sair do banheiro, ela já estava com as bolsas dela na sala, sobre o sofá, pois ela queria ir pra casa dela. Seu semblante já havia mudado, como da água pro vinho...
Liguei pra Nicolau e levei-a pra casa. No caminho encontramos Ivanildo, que voltava da cidade e fomos juntos lavá-la a casa. Lá, Ivanildo referiu-se aos filmes que assistimos pela manhã. Ela perguntou: "Que filmes?" Putz! Como se já não bastasse ela perguntar a mim por mim, no dia sábado, já não se lembrava dos filmes que assistimos pela manhã.
Hoje foi o primeiro dia da cuidadora que foi contratada pra cuidar dela. Fui à sua casa pra conhecer a cidadã e ver mamãe. Ela estava com a gota serena. Irada. Queria sair sozinha. Eu expliquei pra ela que ela não podia sair sozinha porque ela poderia cair, mesmo porque ela já havia levado uma queda em 2006 e havia fraturado a bacia e além do mais o mundo está cheio de gente maldosa, que poderia empurrá-la e derrubá-la  e ainda mais ela poderia se perder, pois ela já havia se perdido há cerca de um ano atrás (quando começamos a desconfiar que algo andava errado com ela), ao voltar da missa. E que a cidadã que está cuidando dela iria sim sair com ela no fim da tarde, pois àquela hora o sol estava muito forte. Ela não quis conversa. Ficou com raiva em casa. Eu voltei pra minha casa e desabei a chorar.
Agora à noite, Nicolau falou comigo e me contou que no sábado, quando ele voltou da farmácia, onde foi comprar remédios pra ela, e quando pegou as bolsas dela pra trazê-la para cá, ele encontrou lixo junto com as roupas que ele havia separado pra ela. Teve de refazer, de pegar outras roupas pra ela, pois ela já havia pego coisas do lixo e juntado com as roupas limpas dela.
Aqui em casa, no domingo, quando acordei, por volta das 6:30h, a tampa do lixo estava tampando uma panela vazia (que estava no escorredor de pratos) e a tampa do lixo do balcão da cozinha estava no escorredor de pratos...
Ah, no domingo eu peguei umas tintas e dei  pra ela pintar qualquer coisa. Ela pintou e eu fotografei suas pinturas:


sábado, 3 de março de 2012

O começo

Este blog foi criado para aqui dizermos das nossas experiências com mamãe, que está com alzheimer. Nós ainda estamos tateando e aprendendo com mamãe e sua doença como lidar com isso, que para nós é tudo muito novo e surpreendente. É doído ver uma pessoa como dona Bibia, que sempre esteve à frente da sua vida e ainda ajudando outras pessoas a tomarem suas rédeas, falando coisas irreais, perguntando onde está em lugares que estava acostumada a frequentar, perguntando sobre pessoas que já morreram há anos, perguntar a nós, seus filhos, pelos seus filhos...
Criei este sítio pra que possamos colocar as coisas que estamos passando juntos, eu, Kath, Anninha e Nicolau. Indo a médicos, terapeutas ocupacionais e, por que não dizer, curtindo mais esta fase de quem nos gerou, criou e que agora, precisa da gente pra quase tudo...
É pra colocar nossas lágrimas que ela nem pode ver pra não saber que a gente está sofrendo muito com tudo isso...
Hoje mesmo, aqui em casa, ela perguntou diversas vezes se a mãe dela estava bem, pois ela nunca mais a viu.
Perguntou a mim por mim...
Declamou "A Árvore da serra", de Augusto dos Anjos e ainda disse que era muito amiga do poeta paraibano e que tinha até bilhetes dele pra ela, quando a ensinou a declamar...
Sinceramente, não sei o que dizê-la numa situação dessas...
Só sei que ela é minha mãe e que a amo muito por toda a nossa vida...
Lembro agora de quando abri meu "armário" pra ela, numa noite perto do seu aniversário, em novembro de 1980, quando eu estava iniciando minha vida de militante gay. Ela estava perto de fazer 48 anos.
Já havia algum tempo que ela havia me dito que tinha algo muito importante pra conversar comigo ( a gente ficou muito amigo desde 1971 - quando ela e papai se separaram!). Mas sempre adiávamos a conversa. Eu por minha parte, já imaginava o que poderia ser. E morria de medo de ser posto pra fora de casa, como acontece com muita gente.
Assim, fomos levando, até que uma noite eu resolvi por um basta nesse babado. Ela dormiu vendo TV e eu fiquei em casa (antes, toda vez eu esperava pelo seu cochilo e ia à farra, mas nessa noite, resolvi ficar.).
Quando ela acordou, disse: "Você não saiu hoje?". Eu respondi que não. Ela disse que a gente conversaria depois, porque ela estava com sono. Aí, eu disse: " Não, mamãe, a gente tem de conversar hoje, ou nunca vamos fazer isso."
pronto. Amanhecemos o dia conversando. Entre pedidos de perdão de parte a parte, nos perdoamos e a partir desse dia, conquistei mais duas militantes da luta a favor dos homossexuais: mamãe e tia Glaura.
No começo, ficavam como agora nós estamos: tateando, pisando em lama.
Também, depois desse dia, nunca mais faltou apoio dessas duas figuras.
Hoje, dona Bibia com alzheimer e tia Glaura, com parkinson!
Agora, tô chorando... depois eu continuo essa história!
Espero contar com a ajuda dos irmãos - só temos nós! - pra colocar aqui as nossas lembranças de vida, nossos desesperos, nossas alegrias, nossas conclusões...